Ab aeterno

As minhas boas vindas a todos os que por aqui passarem. Espero que apreciem o que vos dou aqui. Os desenhos, as fotografias e os textos que publico são da minha autoria (caso não sejam eu mencionarei).

Usufruam.


quarta-feira, 21 de abril de 2010

Janela Aberta







Morreste, partiste, deixaste

Não foste mais além

A janela ficou aberta

Brisa de ninguém


O galo uiva à meia-noite

Insanidade de alguém

O mundo gira ao contrário

Tudo está miseravelmente aquém


Já não bate o coração

Já secaram as almas

Já findou a canção

E a espera não encontra a razão


A brecha mantém-se aberta

A delonga continua, perplexa

A brisa gélida entra

A noite a morte alenta


O lobo canta

A coruja brama

O cão choraminga

O gato encanta


Ó doce e amarga desordem!


Sopro feérico

De um espírito colérico

Frenético espasmo

De um corpo assombrado

Não me deixes

Tenho frio

Abraça-me na tua calidez sobre-humana

Amo-te

Não vás

Mas tu já partiste

E a janela continua aberta

Numa espera perpetuamente incompleta.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A árvore


Estou num jardim e tenho à minha frente uma árvore frondosa. Não, na verdade estou apenas deitada sob a cama a deixar o tempo dançar enquanto me imagino num jardim onde vive uma árvore frondosa, com raízes profundas que murmuram para o abismo da Terra os segredos mais íntimos.
Estou sentada num banco de jardim e à minha frente está essa árvore. É a árvore mais velha do mundo. Enquanto a olho, sinto a rugosidade da sua idade sem a tocar. É a árvore mais sábia do mundo…aliás, é o ser mais conhecedor do mundo!
Não queria ser como ela. Não queria ser como a árvore majestosa. Ela é uma observadora: vê o mundo sem participar nele e dele. Em seu redor desfila a vida: ela ouve a melodia inaudível dos sorrisos, ela presencia a esperança ignorante no amor, ela observa as lágrimas desiludidas que lavam os rostos, ela assiste aos ressentimentos que o tempo, em vez de curar, apenas apura…
Melhor que ninguém, a árvore conhece cada actuação da Humanidade. E eu sei que ela conhece. Conto-lhe a minha pequena e dorida história – é apenas mais uma história entre muitas outras terrivelmente semelhantes (a criatividade é difícil) que a árvore já escutou. Visto o meu tom frio e começo então a narrativa: conto a história que é minha mas que podia ser, já foi aliás, de outra qualquer pessoa. Termino e fico em silêncio. A árvore fita-me sem eu conseguir ver e espera a minha reacção – um sorriso tímido decepcionado? Uma lágrima fugidia? Um olhar revoltoso? – Nada – é mais uma daquelas pessoas que veste a armadura da indiferença.
A árvore não me diz nada disto obviamente. Isto é o que eu sei que ela pensa. O silêncio prolonga-se. Fico à espera que ela finalmente diga algo. Fico à espera que a árvore sábia nas suas rugas velhas me diga que os episódios doloridos que lhe contei na minha história (os episódios bons, esses, não são obviamente para ser contados: apenas vividos e guardados) sejam casos excepcionais, melhor, sejam passageiros e incapazes de voltar a ocorrer novamente.
É uma espera inútil esta em que aguardo sentada no banco de madeira por uma resposta mentirosa da árvore. As árvores não mentem. Mas as árvores falam. Eu consigo ouvi-la e sei o que ela diz. E sei-o tão bem que é por isso que desejo nunca ser uma árvore. Ela é uma observadora. E como observadora sem poder fazer parte, a árvore sabe…sabe o quão fraca, o qual pusilânime, o quão incapaz de dar-se desinteressadamente a Humanidade é.
Eu não queria ser como ela. Não queria observar. Não queria ter tão presente a verdade, aliás, não quero. Prefiro deambular pelo cenário da vida, sonhadora.
Agora já não estou sentada no banco de madeira; estou antes deitada na relva fresca e saudável que circunda o recinto onde habita a árvore. Ainda oiço o que a árvore me diz, mas não quero sentir mais as suas histórias ásperas (verdadeiras contudo) a pesarem-me. Prefiro a relva ilusoriamente macia.
Afinal, quem quero eu enganar? Eu não quero ouvir a verdade da árvore. Eu quero ter a esperança infantil e inocente de acreditar no mundo, de acreditar na integridade das pessoas. Por isso me deitei na relva – daqui não consigo ver a rugosidade áspera da árvore que só de ver se consegue sentir. Por isso isto é só imaginação e eu estou deitada na minha cama, a ver o lápis mover-se a fazer surgir cada palavra, a ver o tempo dançar e eu a não conseguir dormir.

terça-feira, 16 de março de 2010

Procuro















Procuro o que não encontro,
Espero à berma da estrada,
Olho a calçada.

Quero-te, mas tu não chegas
É pedir demais que venhas.

Vejo solas de sapatos desgastados que dançam no pavimento.
Cheiro o fumo de cigarros cansados.
Oiço conversas sonolentas.
Encenação barata esta.

Já não sei o que procuro.

O mendigo entoa a cantiga da vida
enquanto uma moeda bondosa salta para o seu chapéu.
Vejo esboços de pessoas alegres,
Olho o contente fingimento.

Queria que chegasses,
mesmo já não sabendo quem és.
Vou-me embora,
Tu, nunca chegarás.

Adeus estrada previsível.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Poética do Carvão


Reparei hoje, conscientemente, ao ver alguns desenhos, que tenho saudades de me dedicar a um desenho a sério.
Tenho saudades de mergulhar no mundo dos traços a preto e branco, de, durante umas horas ficar absorta na estória que se delineia com uns simples lápis.
Tenho saudades de ver os traços tomarem forma na folha imaculada.
Tenho saudades das luzes e das sombras: do chiaroscuro.
Tenho saudades de sujar os dedos a fazer tudo isto.
E tenho saudades da sensação de ver o produto final, de ver a estória a carvão terminar com um final feliz.


Acho que este fim de semana, livre do cárcere dos trabalhos e estudos escolares (finalmente!), vou dedicar-me à poética do carvão.

domingo, 14 de março de 2010

A Morte da Originalidade numa Secundária

Esta semana tive uma experiência inquietantemente bizarra de afecção física e psicológica. Não fiz nada de transcendente, não visitei um hospício, não calcorreie uma instituição de carácter um pouco mais “desviante”. Não, nada disso, pisei apenas o átrio de uma secundária. Mas que experiência inquietante, perguntam vocês, poderá ter-se ao visitar uma mera secundária? Para mim foi uma experiência desagradavelmente desconfortável, com direito a enfatização e tudo.

Tudo começou com o aproximar-se da instituição. Há porta da instituição de ensino estavam já alguns estudantes. Não tomei atenção às conversas que mantinham entre si, agora que reparo dei antes primazia às acções, aos movimentos que delineavam no tempo. A maior parte dos que circundavam o all de entrada da secundária eram rapazes que se entretinham a enrolar o que daria numa ganza. Sou uma jovem de 17 anos, não me espantou que estivessem a fumar drogas leves, de facto isso foi apenas um pormenor que lamentei e, que me levou a questionar se, todos os dias, aquelas pessoas se dedicavam a queimar as suas células cerebrais pela hora de almoço (creio que sim). Para além destes jovens rapazes estavam também pequenos grupos espalhados ali naquele local de espera para entrar na escola.

A minha experiência nefasta começou quando tive de abandonar a sala de espera e entrei no consultório, ou seja, entrei na escola em si. Há que mencionar que estava a acompanhar uma colega que, em nome da psicologia, estava a realizar um trabalho (de influencias sociais – bastante evidente). Mas prosseguindo, lá entrei eu na secundária. O sentimento deve ter sido semelhante ao de uma entrada de um paciente no consultório de um médico que demonstra ser irreversivelmente horrível.

Eu já sabia o que esperar da secundária, já sabia que ela era frequentada por, o que corriqueiramente, e numa linguagem de grupos urbanos, se denomina de betos ou “wanna be’s”. Também já calculava que me iria sentir mal circundada por essas pessoas desse grupo urbano.

Só um pequeno aparte que julgo necessário: eu não me enquadraria em nenhum grupo urbano juvenil específico. Como tudo, sei que sou influenciada em muitos aspectos e o vestuário é um deles com certeza, todavia abomino “igualdades”, gosta da diferença, aprecio o alternativo. No que toca ao estilo pessoal de vestuário gosto de ser diferente, de tentar originalidade. Num campo mais intelectual-psicologico prezo conversas inteligentes, profícuas (obviamente que uma banalidade de vez em quando é suportável mas as superficialidades são bastante dispensáveis); tenho também preconceitos, especialmente em relação aos denominados “betos”, mas tento construtivamente explicá-los.

Terminado o aparte, retomo à narrativa do meu momento angustiante. Quando entrei então naquele consultório estudantil coabitado por jovens mais ou menos da minha faixa etária, fui assolada por um sentimento de, o que diria mais se aproximar da realidade, repulsa, uma repulsa social. Parecia que tinha ancorado numa ilha na qual as pessoas haviam sido fabricadas em série de acordo com um mesmo padrão. Todos eram iguais. Todos usavam as mesmas malas, o mesmo penteado, as mesmas marcas, o mesmo estilo de roupa, todos tinham os mesmos trejeitos e se movimentavam de maneira muito semelhante. Posso facilmente contar pelas mãos as pessoas que me pareceram um pouco desviantes. De resto, aquela ilha encontrava-se atolada de pessoas iguais. Ali o conceito de originalidade, de diferença com certeza não era conhecido. Talvez isto pareça demasiado preconceituoso e arrogante da minha parte, mas não consigo deixar de sentir a repulsa que me assolou, ainda para mais sabendo que eles próprios, os habitantes daquela ilha sem identidade própria, sabiam conscientemente que eram iguais e sentiam-se bem com isso. Para mim, de modo arrogante ou não, torna-se impraticável compreender como pode alguém conformar-se sendo igual ao outro. A criatividade tem um importante papel na minha vida.

Obviamente que o vestuário é apenas uma capa, uma capa que gera preconceitos claro. Aliás, há inclusive pessoas que não têm dinheiro para sustentar um vestuário confortável e são injustamente alvo de estigmas por isso. Mas peço por momentos que nos centremos apenas naquelas pessoas, daquela secundária, que têm hipótese de ser originais no modo de vestir (acho até que gastam demasiado dinheiro em marcas dispendiosas). Elas escolhem ser iguais, conscientemente. Poderia também acrescentar que escolhem ainda ser cartazes publicitários das marcas que usam estampadas (mas isso já seria outra conversa). É que, apesar das roupas serem apenas uma capa, a verdade é que elas, a maior parte das vezes, dizem bastante acerca de quem as veste. Façamos aqui um esforço mental: não é por ventura verdade que os artistas, sejam eles músicos, pintores, fotógrafos, etc, têm um estilo muito mais original de se vestirem? Mesmo quando são simples eles têm algo de único. Eu não faço a apologia da extravagancia ou da excentricidade, julgo até que na simplicidade (e gastando pouco dinheiro) se consegue ser criativo e único.

Concluindo, a experiência do átrio da secundária foi de facto claustrofóbica. Gostaria de perceber porque todos se conformam em ser iguais, talvez um dia vá lá e os questione. Quando às conversas que têm entre eles, não sei se aqueles estudantes têm conversas complexas ou superficiais, apesar de ter um palpite (mas isso já não sei corroborar por isso escolho não opinar). Todavia tudo isto é para mim uma situação intrigante. O entrar naquele território de pessoas padronizadas fez-me questionar a identidade individual de cada uma daquelas pessoas que cruzavam o espaço enquanto eu passava por elas. Por outro lado, fez-me valorizar os “outsiders” da sociedade, desde já dou-lhes os parabéns pela originalidade que imprimem ao nosso quotidiano.


nota: imagem de http://casadogalo.com/wp-content/uploads/windowslivewriteridentidadeoquerealmentefaltaparans-7938originalidade-3.jpg