Ab aeterno

As minhas boas vindas a todos os que por aqui passarem. Espero que apreciem o que vos dou aqui. Os desenhos, as fotografias e os textos que publico são da minha autoria (caso não sejam eu mencionarei).

Usufruam.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Uma Rosa para ti




Venho num passo lento e despreocupado oferecer esta rosa de um cheiro tão doce e de pétalas tão macias ao toque como a seda mais pura.
Eis que o destinatário deste presente é alguém deveras respeitado com quem devemos ter sempre presentes os bons modos, por isso quanto mais me aproximo, o passo despreocupado transfigura-se num passo hesitante, algo receoso pelo que o destinatário achará. Não espero agradecimentos da parte dele, anseio somente agradá-lo com esta bela rosa a que tive o cuidado de tirar os espinhos, não o fosse ofender. E, como dizia não espero agradecimentos, não espero palavras, sorrisos, apertos de mãos e muito menos um abraço ou um beijo no rosto, tenho sim a esperança de ao oferecer-lhe o meu delicado presente possa ver uma pequena centelha nos seus olhos, algo semelhante a um olhar caloroso um pouco inibido, só isso trar-me-ia uma grande alegria.
Nunca o visitei, e isso ainda intensifica mais o meu receio, desconheço o seu aspecto e quanto ao seu carácter baseio-me apenas no que os outros dizem: que não devemos esperar boas recepções pois ele é frio e não convida ninguém a entrar. Porém, nas minhas divagações penso se alguma vez essa gente que fala dele já o visitou e, se realmente o que dizem é fundamentado… mas em breve descobrirei e as dúvidas dissipar-se-ão.
Estou cada vez mais perto, daqui a talvez uns escassos cem metros alcançarei o seu lar. Aperto a frágil rosa na minha mão para que permaneça firme. A razão porque aqui estou é a rosa, hoje de manhã ao olhá-la vi nas pequenas gotas de orvalho que pendiam débeis nela o rosto dele, um rosto um tanto mal tratado, a começar a envelhecer, o cabelo castanho apesar de ainda forte começa a ficar pintalgado de branco e, em redor dos seus claros olhos enigmáticos de um azul esverdeado ou verde azulado (talvez sejam os olhos que lhe dão aquela postura frígida de que as pessoas falam) começam a surgir pequenas rugas. Ele é na verdade um pouco estranho, uma figura misteriosa…contudo, emana um grande poder, só pelo vislumbre no orvalho da sua figura é perceptível a opulência, a sabedoria da quais ele é portador, todavia, também nele se vislumbra um rasgo de tristeza, um amargo sofrimento a que sempre esteve fadado.
Cheguei, basta proferir um cumprimento que ele dará pela minha presença e virá, nem que seja para me mandar embora com um olhar rígido, mas virá. As minhas mãos começam a humedecer de ansiedade. Passo cuidadosamente a rosa de uma mão para a outra de modo a esfriá-las. Depois numa voz que tento que saia calma e segura chamo-o:
- Mundo!
Vejo-o a aproximar-se, direito, compassadamente avança na minha direcção, é uma figura simples, de roupas gastas pelo tempo mas que não lhe retiram nem um pouco da sua dignidade.
- Ora boa tarde – cumprimenta ele. Nada do olhar frigido, da figura rígida. Afinal, tudo isso não passava de boatos de quem nunca o ousou visitar. Ele esboça um sorriso e pergunta se pode ajudar em alguma coisa. Eu, um pouco relutante ainda digo-lhe por fim o que ali me levou:
- Não, vinha somente visitá-lo e oferecer-lhe esta rosa que colhi esta manhã, foi ela que me impeliu a vir até aqui… – e tento também eu esboçar um sorriso, mas sai-me um pouco tímido por ainda não estar à vontade.
No momento em que lhe dei a rosa vi que todos os meus receios tinham sido descabidos. Ele estava ali diante de mim com um sorriso resplandecente que alcançou ainda um brilho maior quando lhe dei a rosa. Como o sorriso também os seus olhos brilhavam, não vi só uma centelha, vi o agradável olhar caloroso que nunca pensei vislumbrar. O Mundo pegou na rosa e num gesto protector afagou-me o braço e sorrindo disse:
- Não era preciso teres me trazido uma rosa, basta que quando me venhas visitar tragas um sorriso genuíno.
Naquele momento ele transformou-se, já não era a figura de cabelos pintalgados pelo cansaço e sofrimento e de rugas nos cantos dos olhos. Desta vez era uma criança, com os mesmos olhos claros de uma cor indecifrável todavia, não transportavam tristeza alguma, estavam cintilantes à luz do dia, o cabelo também já não era grisalho, era de um castanho revigorante e estava todo desgrenhado. As roupas continuavam a ser simples como anteriormente e, na sua felicidade infantil trauteava com os pássaros e brincava num campo verdejante. Enfim, era uma criança feliz.
Depois tudo voltou a realidade, o Mundo retomou àquela figura marcada pelo tempo mas mais ainda pelo sofrimento. Não sei se o que vislumbrei foi o passado ou algo vindouro ou somente uma utopia. Porém, o Mundo pareceu ler-me os pensamentos e, ainda com um sorriso a brincar na sua boca disse numa voz menos audível:
- Pode vir a ser assim, basta uma rosa, uma qualquer flor acompanhadas de um sorriso genuíno, ou então, somente o sorriso sincero por parte da Humanidade…
Então percebi, um sorriso, o quanto baste para tirar o rasgo de sofrimento amargo ao Mundo e torná-lo aquela criança de cabelo desgrenhado que com certeza adoraria brincar com todos nós.