Estou num jardim e tenho à minha frente uma árvore frondosa. Não, na verdade estou apenas deitada sob a cama a deixar o tempo dançar enquanto me imagino num jardim onde vive uma árvore frondosa, com raízes profundas que murmuram para o abismo da Terra os segredos mais íntimos.
Estou sentada num banco de jardim e à minha frente está essa árvore. É a árvore mais velha do mundo. Enquanto a olho, sinto a rugosidade da sua idade sem a tocar. É a árvore mais sábia do mundo…aliás, é o ser mais conhecedor do mundo!
Não queria ser como ela. Não queria ser como a árvore majestosa. Ela é uma observadora: vê o mundo sem participar nele e dele. Em seu redor desfila a vida: ela ouve a melodia inaudível dos sorrisos, ela presencia a esperança ignorante no amor, ela observa as lágrimas desiludidas que lavam os rostos, ela assiste aos ressentimentos que o tempo, em vez de curar, apenas apura…
Melhor que ninguém, a árvore conhece cada actuação da Humanidade. E eu sei que ela conhece. Conto-lhe a minha pequena e dorida história – é apenas mais uma história entre muitas outras terrivelmente semelhantes (a criatividade é difícil) que a árvore já escutou. Visto o meu tom frio e começo então a narrativa: conto a história que é minha mas que podia ser, já foi aliás, de outra qualquer pessoa. Termino e fico em silêncio. A árvore fita-me sem eu conseguir ver e espera a minha reacção – um sorriso tímido decepcionado? Uma lágrima fugidia? Um olhar revoltoso? – Nada – é mais uma daquelas pessoas que veste a armadura da indiferença.
A árvore não me diz nada disto obviamente. Isto é o que eu sei que ela pensa. O silêncio prolonga-se. Fico à espera que ela finalmente diga algo. Fico à espera que a árvore sábia nas suas rugas velhas me diga que os episódios doloridos que lhe contei na minha história (os episódios bons, esses, não são obviamente para ser contados: apenas vividos e guardados) sejam casos excepcionais, melhor, sejam passageiros e incapazes de voltar a ocorrer novamente.
É uma espera inútil esta em que aguardo sentada no banco de madeira por uma resposta mentirosa da árvore. As árvores não mentem. Mas as árvores falam. Eu consigo ouvi-la e sei o que ela diz. E sei-o tão bem que é por isso que desejo nunca ser uma árvore. Ela é uma observadora. E como observadora sem poder fazer parte, a árvore sabe…sabe o quão fraca, o qual pusilânime, o quão incapaz de dar-se desinteressadamente a Humanidade é.
Eu não queria ser como ela. Não queria observar. Não queria ter tão presente a verdade, aliás, não quero. Prefiro deambular pelo cenário da vida, sonhadora.
Agora já não estou sentada no banco de madeira; estou antes deitada na relva fresca e saudável que circunda o recinto onde habita a árvore. Ainda oiço o que a árvore me diz, mas não quero sentir mais as suas histórias ásperas (verdadeiras contudo) a pesarem-me. Prefiro a relva ilusoriamente macia.
Afinal, quem quero eu enganar? Eu não quero ouvir a verdade da árvore. Eu quero ter a esperança infantil e inocente de acreditar no mundo, de acreditar na integridade das pessoas. Por isso me deitei na relva – daqui não consigo ver a rugosidade áspera da árvore que só de ver se consegue sentir. Por isso isto é só imaginação e eu estou deitada na minha cama, a ver o lápis mover-se a fazer surgir cada palavra, a ver o tempo dançar e eu a não conseguir dormir.