Parecem distantes os tempos que já lá vão. Tempos que na verdade não o são, são tempos próximos, tão próximos como o dia anterior a este.
Tempos próximos mas que jamais se tornaram alcançáveis. Nem sequer réplicas desses dias voltarei a viver.
Dias esses em que sentia o doce sabor do teu beijo, em que podia sentir a tua mão entrelaçada na minha. Dias em que desvendávamos os mais recônditos mistérios da floresta. Em que percorríamos os verdejantes campos cobertos de flores, e, quando encontrávamos uma árvore nos quedávamos junto a ela, desfrutando da sua refrescante sombra e ouvindo a alegre melodia que os pássaros entoavam, enquanto nós, abraçados, proferíamos palavras com significados eternos. Ai, sentia o meu coração cálido, intensamente feliz pelo facto de te ter a meu lado, de poder ouvir o teu riso tão doce e melodioso enquanto galhofávamos por tudo e por nada, apenas porque… como era comprazeroso brincarmos que nem crianças alegres que divulgam por todos essa alegria tão inocente e imperturbável. Felicidade pura era a que nos compartilhávamos, uma união profunda que fundia as nossas almas numa só, uma união inabalável.Mas agora que tenho eu? Os verdejantes e floridos campos parecem-me secos e murchos. Não consigo sentir o aroma das flores, já nem tenho sequer vontade de as olhar, aquelas cores garridas que antes os meus olhos se deliciavam ao observar enegreceram-se. A minha visão é obscura, não consigo ver nada para além da nefastidade e do sofrimento que me atingiu. Tornei-me surdo perante o mundo, já não oiço os cânticos dos pássaros, eles, aos meus ouvidos silenciaram-se. Já não oiço o efervescente riacho, talvez tenha secado por algum motivo no meu mundo.
Sim, porque agora eu tenho um mundo, um mundo cercado por altos muros, completamente impenetrável onde no seu interior eu me acerco e até a mim próprio me renego. Eu, não passo de um errante que vagueia pelas trevas da vida, por lugares inimagináveis, sítios onde mais ninguém ousa penetrar.
Não passo de um prisioneiro da vida, agrilhoado ao dia à dia sem dele conseguir escapar. Não passo de um deserto sem um único oásis. Eu sou aquela areia seca e árida a que sugaram toda a água. É assim que me sinto, todo o meu tutano foi sugado assim como as minhas lágrimas, que não resistiram à secura do colossal deserto e secaram, não conseguindo nem elas expressar um pouco que fosse da dor que estou a viver. Eu, perdi o meu oásis, onde encho agora o meu coração? A água cessou e eu já não tenho como sacia-lo. Ele está árido e nem sequer uma gota tem para lhe enganar a sede. A verdade é que se esta a desfazer, e tu, já não estas cá para com todo o cuidado e auspiciosamente juntares os seus fragmentos dispersos e reconstruí-lo novamente.
Sou cada vez mais areia, cada vez menos homem. No meu interior, os ventos desérticos tudo assolaram, desmoronaram a minha alma, gelaram-me o coração, roubaram-me até ao âmago e deixaram somente dolorosas recordações. Memórias de ti, fragmentos tão belos e confortáveis que de tão magníficos que são ainda mais me corroem interiormente, por serem precisamente pedaços perdidos que nunca mais voltarão a ser revividos, peças que o vento bera teimou em deixar. Marcas que me visitarão todos os dias o pensamento, que farão a minha alma chorar e o meu coração arder de saudade. Marcas, que ao invés de ti me beijarão cada acordar, cada anoitecer e andarão ainda de mão entrelaçada na minha ao longo de todo o dia. Marcas, vestígios dolorosos que me consumirão e com os quais para sempre viverei, porque um dia, a minha humanidade, a minha medíocre raça não foi suficiente para agarrar a tua alma, enquanto tu, respiravas nos meus braços o último sopro de vida, e eu observava impotente. Tudo, porque nesse dia, nem o meu sumptuoso amor conseguiu desarmar e derrotar a sempre tão vitoriosa morte.